segunda-feira, 26 de outubro de 2020

Os bancos

 O que nós pensamos que é o papel dos bancos (emprestar às empresas o dinheiro que as pessoas depositam e que foi criado pelo Estado)


Qual é de facto o papel dos bancos (criar dinheiro que é emprestado ao Estado, às empresas e às empresas.




O Estado, o dinheiro e as pessoas

 Como nós pensamos que o Estado funciona (o Estado cria dinheiro para as pessoas usarem)

Como o Estado de facto funciona (bancos criam dinheiro para o emprestar ao Estado, que o usa para apoiar as empresas, esperando que estas o transfiram para as pessoas sob a forma de ordenados)




quinta-feira, 22 de outubro de 2020

Empresas públicas para quê?

 O capitalismo é um sistema económico baseado em 3 princípios: egoísmo, competição e acumulação. O agente do capitalismo é a empresa, uma entidade jurídica criada para tornar legal um sistema tão obviamente bárbaro e anti-social. Mas o capitalismo tem que ser mais do que legal, tem que ser visto como moral. Surge daqui a narrativa de que as pessoas são naturalmente competitivas e egoístas e que isso é bom porque liberta forças criativas que contribuem para o bem da sociedade.

Esta narrativa consolidou-se no poder, com os governos não apenas a apoiar as empresas mas a ambicionar uma gestão empresarial do bem público. Chegamos assim à empresarialização de funções do Estado. Nas autarquias esta tendência materializou-se na figura das empresas municipais, com resultados tão desastrosos como inevitáveis. Dois exemplos de São Miguel ilustram exemplarmente os efeitos perniciosos de aplicar a gestão empresarial ao serviço público. 

A MUSAMI é uma empresa intemunicipal, detida inteiramente pela Associação de Municípios de São Miguel, que gere o tratamento de resíduos sólidos na ilha. Na boa lógica empresarial a MUSAMI compra e vende resíduos, tendo que apresentar um balanço positivo no final do ano. Essa é uma grande (se não a principal) preocupação dos seus gestores. Não faz parte da sua missão intervir nas políticas públicas da gestão dos resíduos, nomeadamente nas recomendações internacionais para reduzir a utilização de recursos naturais e reutilizar os materiais já produzidos. Encarando os resíduos como um negócio, a lógica empresarial da MUSAMI leva-a a insistir há anos na construção de uma incineradora, ao mesmo tempo que vai expandindo a deposição em aterro, Em tudo isto o governo regional e as próprias autarquias desresponsabilizam-se, enganando o cidadão com a desculpa de que não há alternativas.

A segundo exemplo estoirou agora na comunicação social. A Câmara Municipal de Ponta Delgada entendeu ser necessário apoiar o desenvolvimento de empresas na área da tecnologia e da inovação. Demos de barato a endoutrinação capitalista de que o desenvolvimento do setor privado deve ser feito à custa do investimento público. Criou-se então a Azores Parque (AP) à qual é atribuido património imobiliário e para a qual são canalizadas verbas públicas. Quando o plano de negócio começa a falhar, a AP pede dinheiro emprestado, acumulando dívidas de 11 milhões de euros. 

Sendo óbvia a insustentabilidade da empresa precipitam-se sobre ela 2 abutres do sistema financeiro: os bancos (que procuram assegurar que sejam os contribuintes a pagar o dinheiro que a sua incauta gestão desbaratou) e os "investidores" (com os olhos nos ativos da empresa, a começar pelos terrenos que ela detém).

Para a autarquia a decisão entre os dois foi fácil: em vez de internalizar milhões de euros de dívidas a pagar aos bancos, vendeu a empresa a "investidores" por 500€. Até se pode argumentar que o objetivo foi salvaguardar o interesse público. Mas nada é simples com tanto dinheiro em jogo. Os bancos estão a procurar reaver o seu dinheiro pela via judicial- mas à CMPD e não à empresa que é agora dona do AP; os "investidores" apressaram-se a desbaratar o património da empresa, sabendo que tinham pouco tempo. 

E foi assim que com um investimento de 5.500€ (5.000€ de capital social da empresa criada de propósito para o efeito + 500€ de custo da AP) a Alexir realizou pelo menos 980.000€ vendendo terrenos a preços da chuva. Deste dinheiro 209.000€ foram "emprestados" a essa outra pérola da engenharia financeira que são as Sociedades Anónimas Desportivas. Outros 580.000€ foram pagos a uma empresa por "prestação de serviços"- essa empresa já se comprometeu a devolver o dinheiro num acordo extrajudicial. No meio disto tudo desapareceram 190.000€, dos quais 150.000€ levantados em numerário, ao balcão! Um lucro de mais de 4.000€, portanto.

Este é o resultado evidente de aplicar a lógica capitalista à gestão de bens públicos. Situações destas vão continuar a acontecer, enquando o paradigma do lucro e da competição não for substituído pela cooperação e solidariedede

domingo, 18 de outubro de 2020

Racismo, propriedade privada e conservação da natureza

 Em conversa ontem com o Carlos Teixeira sobre a proposta do LIVRE de elaborar nos Açores uma Estratégia Regional para a Biodiversidade, falámos daquele que é o problema base da conservação nos Açores: encarar-se a preservação dos valores naturais como uma questão de fronteiras. A lógica é a de definir áreas protegidas, dentro das quais as ações humanas podem supostamente ser limitadas para conservar os habitats e as espécies nelas existentes. Fora das áreas protegidas pode fazer-se mais ou menos o que se quiser exceto nos casos de grandes obras em que é necessário um estudo de impacte ambiental.

Há grandes problemas com esta abordagem. Aqueles para os quais eu já estava alertado incluem questões com a própria delimitação das áreas protegidas e a ausências de planos de gestão. A primeira é a colisão clássica entre o interesse público de conservar a biodiversidade e o interesse privado de extrair rendimentos da terra. Por um lado há terrenos privados incluídos dentro das áreas protegidas (cujos donos se sentem prejudicados por serem limitados na sua ação) e por outro há habitats e espécies em terrenos privados fora das áreas protegidas e, como tal, suscetíveis às decisões dos donos do terreno. A segunda questão resulta do compromisso não assumido entre o poder e os privados: classificar uma área mas depois não definir o que se quer lá fazer nem alocar meios para levar a cabo as ações de conservação abre a porta à degradação dos valores que é suposto defender. Os Açores estão cheios de reservas de papel.

No entanto não tinha refletido sobre o ponto levantado no artigo citado em baixo: o papel do racismo na estruturação dos mecanismos de conservação, concretamente na definição de áreas protegidas. Na designação de vastas áreas como parques nacionais, inaugurada por Theodore Roosevelt nos EUA, ignora o facto de que em muitos casos essas áreas são as terras ancestrais de comunidades indígenas. O resultado tem sido que essas populações são ignoradas nas decisões de gestão desses espaços ou, o que é muito pior, são oprimidas em função de um suposto valor superior.

Nos Açores obviamente não existiam indígenas, mas o meu interesse em estudar a evolução histórica da posse da terra no arquipélago ganhou agora uma nova vertente: de que forma o atual desenho das áreas protegidas interceta o modo como a terra foi originalmente concedida e como essa gestão evoluiu posteriormente.


Kashwan, 2020. American environmentalism’s racist roots have shaped global thinking about conservation. The Conversation.

 


Retoma

 Durante a campanha eleitoral fiz um compromisso comigo mesmo de escrever um pequeno texto por dia sobre temas de interesse político. Tenho feito isso no facebook, embora não com a regularidade que desejaria.

Hoje lembrei-me que escrever num blogue seria menos exclusivista. Enquanto procuro uma plataforma não ligada aos interesses financeiros de Silicon Valey, retomo esta.

terça-feira, 20 de junho de 2017

Carros elétricos? Qb, sff.

Uma das características do capitalismo (e da sua encarnação mais predadora, o neo-liberalismo) é a capacidade de mudar para que fique tudo na mesma. É espantoso como as linhas de fratura de uma etapa do sistema são transformadas nas suas avenidas de mutação e consolidação.
O problema dos automóveis particulares não é (só) o do consumo de combustíveis, por mais grave que ele seja (e é!). Para além de ser um dos principais fatores do aquecimento global, a dependência do automóvel (e do transporte rodoviário em geral) perpetua a exploração insustentável de recursos naturais não renováveis, expandindo constantemente a degradação do meio natural.
O impacto social do automóvel também é devastador: o ordenamento do território e o urbanismo são desenhados à medida dos carros e não das pessoas. Não há espaços de convívio nem zonas verdes porque são necessárias vias rápidas e parques de estacionamento. Desaparece o comércio local porque as pessoas preferem hipermercados anónimos onde podem ir uma vez por semana encher a bagageira de produtos importados.
Diz esta notícia que nos Açores, onde vivo, há 120.000 viaturas. Notam como isto é espantoso?! Vivem menos de 250.000 pessoas nesta região! Tendo em conta o impacto ambiental e social do automóvel, que sentido faz existir uma viatura para cada dois açorianos? Como é que o Governo Regional dos Açores pode apoiar um projeto que visa manter ou agravar a situação, apenas substituindo os motores dos veículos? Como podem não aproveitar a eminência de catástrofe ecológica em que vivemos para mudar o paradigma dos transportes no sentido de espaços urbanos pedestres e cicláveis e do reforço do transporte coletivo?
Eu explico porque não podem: porque há muito dinheiro a ganhar com as novas minas de lítio em Portugal e com a mineração do mar profundo dos Açores. Todo o metal e os minerais tem que vir de algum lado, não? Já há gente a salivar com a futura siderurgia da Praia da Vitória, servida por um porto privado onde descarregarão as barcaças gigantes da Nautilus. E as rendas da EDA têm que continuar a crescer, que os privados não estão lá pelos nossos lindos olhos. Para isso a produção tem que aumentar, mesmo que tal signifique incinerar anualmente dezenas de milhar de toneladas de lixo doméstico, ou comprometer os espaços naturais com hídricas reversíveis.
Como é que se vende isto? Como se vende tudo agora: com o rótulo "sustentável"! Esta mobilidade será "sustentável", será até "uma mais-valia no desempenho ambiental da região", vejam bem. E até, não se percebe muito bem como, estará ligada a um turismo "sustentável".
A única sustentabilidade que se procura é a dos grandes negócios, o desempenho que interessa é o dos relatórios financeiros das corporações e dos dividendos aos gestores e investidores. E pintar-se-á isso da cor que for preciso. Hoje essa cor é o verde.


segunda-feira, 24 de abril de 2017

Tristeza

Hoje estou triste. Na véspera do 25 de abril dou por mim a refletir sobre o que fizémos com a democracia que nos deram. A decisão de adjudicação da incineradora de São Miguel fez-me chocar com a real politik, com a face dura do quero-posso-e-mando. Começei a luta contra este atentado ambiental muito cético, mas fui vendo o movimento crescer, fui vendo como pessoas de vários quadrantes convergiram para o terreiro, cada um trazendo a sua perspetiva. Entre todos fomos trabalhando e tecendo argumentos, trocando pontos de vista e aprendendo uns com os outros. Falámos com muitas pessoas em muitas áreas. Estudámos. Tornou-se claro, à medida que o tempo passava, como a nossa perspetiva estava alinhada com a vanguarda da sustentabilidade e da civilidade. Lemos de cidades e regiões apostadas no lixo zero, onde se recicla pouco porque se produzem poucos resíduos e os materiais e embalagens são re-aproveitadas. E nós, que vivemos num sítio tão bonito, pensámos que era isto que queríamos para a nossa terra. E acreditámos que, se explicássemos as coisas bem devagar, se construíssemos argumentos lógicos e documentados, seguramente pessoas responsáveis pelo ambiente, pela saúde pública, pelo turismo, até pela economia local compreenderiam que era do interesse público impedir a construção daquilo que é essencialmente uma unidade industrial de produção de resíduos tóxicos.
Fomos ingénuos. Está tudo legal. A Comissão Europeia avançou com os milhões mas lavou as mãos da responsabilidade da sua aplicação. O governo estabeleceu metas para os "operadores" e adequou os planos ao que eles queriam fazer. As autarquias criaram uma empresa e delegaram nela a responsabilidade pela gestão dos resíduos. A lógica empresarial, por sua vez, tomou o freio nos dentes e vê milhões onde nós vemos responsabilidade social e ambiental. Deu nisto a democracia pela qual tantos lutaram: ter empresas a decidir o futuro de todos.
Estou zangado comigo por ter acreditado que algo poderia mudar. Menosprezei as forças em jogo. A teia está a ser urdida há muitos anos, e não é um mais um ambientalista, ainda por cima serôdio, que vai fazer alguma diferença.
Aprendi alguma coisa, ao menos? Sim: que não me arrependo de nada e que não desanimo! É bom perder as ilusões- a nossa visão do mundo fica muito mais clara.