segunda-feira, 24 de abril de 2017

Tristeza

Hoje estou triste. Na véspera do 25 de abril dou por mim a refletir sobre o que fizémos com a democracia que nos deram. A decisão de adjudicação da incineradora de São Miguel fez-me chocar com a real politik, com a face dura do quero-posso-e-mando. Começei a luta contra este atentado ambiental muito cético, mas fui vendo o movimento crescer, fui vendo como pessoas de vários quadrantes convergiram para o terreiro, cada um trazendo a sua perspetiva. Entre todos fomos trabalhando e tecendo argumentos, trocando pontos de vista e aprendendo uns com os outros. Falámos com muitas pessoas em muitas áreas. Estudámos. Tornou-se claro, à medida que o tempo passava, como a nossa perspetiva estava alinhada com a vanguarda da sustentabilidade e da civilidade. Lemos de cidades e regiões apostadas no lixo zero, onde se recicla pouco porque se produzem poucos resíduos e os materiais e embalagens são re-aproveitadas. E nós, que vivemos num sítio tão bonito, pensámos que era isto que queríamos para a nossa terra. E acreditámos que, se explicássemos as coisas bem devagar, se construíssemos argumentos lógicos e documentados, seguramente pessoas responsáveis pelo ambiente, pela saúde pública, pelo turismo, até pela economia local compreenderiam que era do interesse público impedir a construção daquilo que é essencialmente uma unidade industrial de produção de resíduos tóxicos.
Fomos ingénuos. Está tudo legal. A Comissão Europeia avançou com os milhões mas lavou as mãos da responsabilidade da sua aplicação. O governo estabeleceu metas para os "operadores" e adequou os planos ao que eles queriam fazer. As autarquias criaram uma empresa e delegaram nela a responsabilidade pela gestão dos resíduos. A lógica empresarial, por sua vez, tomou o freio nos dentes e vê milhões onde nós vemos responsabilidade social e ambiental. Deu nisto a democracia pela qual tantos lutaram: ter empresas a decidir o futuro de todos.
Estou zangado comigo por ter acreditado que algo poderia mudar. Menosprezei as forças em jogo. A teia está a ser urdida há muitos anos, e não é um mais um ambientalista, ainda por cima serôdio, que vai fazer alguma diferença.
Aprendi alguma coisa, ao menos? Sim: que não me arrependo de nada e que não desanimo! É bom perder as ilusões- a nossa visão do mundo fica muito mais clara.

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