domingo, 18 de outubro de 2020

Racismo, propriedade privada e conservação da natureza

 Em conversa ontem com o Carlos Teixeira sobre a proposta do LIVRE de elaborar nos Açores uma Estratégia Regional para a Biodiversidade, falámos daquele que é o problema base da conservação nos Açores: encarar-se a preservação dos valores naturais como uma questão de fronteiras. A lógica é a de definir áreas protegidas, dentro das quais as ações humanas podem supostamente ser limitadas para conservar os habitats e as espécies nelas existentes. Fora das áreas protegidas pode fazer-se mais ou menos o que se quiser exceto nos casos de grandes obras em que é necessário um estudo de impacte ambiental.

Há grandes problemas com esta abordagem. Aqueles para os quais eu já estava alertado incluem questões com a própria delimitação das áreas protegidas e a ausências de planos de gestão. A primeira é a colisão clássica entre o interesse público de conservar a biodiversidade e o interesse privado de extrair rendimentos da terra. Por um lado há terrenos privados incluídos dentro das áreas protegidas (cujos donos se sentem prejudicados por serem limitados na sua ação) e por outro há habitats e espécies em terrenos privados fora das áreas protegidas e, como tal, suscetíveis às decisões dos donos do terreno. A segunda questão resulta do compromisso não assumido entre o poder e os privados: classificar uma área mas depois não definir o que se quer lá fazer nem alocar meios para levar a cabo as ações de conservação abre a porta à degradação dos valores que é suposto defender. Os Açores estão cheios de reservas de papel.

No entanto não tinha refletido sobre o ponto levantado no artigo citado em baixo: o papel do racismo na estruturação dos mecanismos de conservação, concretamente na definição de áreas protegidas. Na designação de vastas áreas como parques nacionais, inaugurada por Theodore Roosevelt nos EUA, ignora o facto de que em muitos casos essas áreas são as terras ancestrais de comunidades indígenas. O resultado tem sido que essas populações são ignoradas nas decisões de gestão desses espaços ou, o que é muito pior, são oprimidas em função de um suposto valor superior.

Nos Açores obviamente não existiam indígenas, mas o meu interesse em estudar a evolução histórica da posse da terra no arquipélago ganhou agora uma nova vertente: de que forma o atual desenho das áreas protegidas interceta o modo como a terra foi originalmente concedida e como essa gestão evoluiu posteriormente.


Kashwan, 2020. American environmentalism’s racist roots have shaped global thinking about conservation. The Conversation.

 


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