terça-feira, 1 de setembro de 2015

O visto e o visível

Até 1983 não sabia que se comiam lapas. Ignorância minha, claro, mas essa não foi a única descoberta daquele dia de primavera, na Praia das Avencas. Na aula prática de Ecologia Geral vi, pela primeira vez, algo que sempre esteve visível de todas as muitas vezes que passeei por uma praia rochosa: a disposição dos organismos em faixas na zona das marés. Em todos os sítios em que há marés é possível observar o mesmo padrão de faixas horizontais de comunidades completamente distintas; na costa atlântica do continente português às laminárias sucedem-se, subindo na costa, as lapas e os mexilhões, a estes as cracas e a estas as litorinas.
O conhecimento sobre o mundo que nos rodeia começa com a busca de padrões, de regularidades, para as quais temos que procurar uma explicação. Depois de ver o padrão, a explicação é muitas vezes óbvia. Relaciona-se facilmente a zonação intermareal, por exemplo, com a subida e descida do nível do mar. Pode depois estudar-se o mecanismo envolvido. Neste caso é o gradiente de exposição ao ar: as espécies distribuem-se mais perto ou mais longe da água de acordo com a sua resistência à dessecação (nos organismos marinhos) ou à submersão (nos terrestres).
A compreensão da mensagem que os padrões nos transmitem, o conhecimento que ganhamos da nossa reflexão sobre o que vemos, tem o potencial de nos transformar. Quando Galileo apontou ao céu o seu telescópio e descobriu que Vénus tinha fases como a Lua foi forçado a concluir que o modelo ptolomaico estava incorrecto. Isso quase lhe custou a vida, mas a coragem de Galileo foi decisiva para impor a racionalidade como um princípio estruturante da vida em sociedade.
Atualmente há muitos padrões que estão à vista de todos mas que poucos vêm. Há outros que são deliberadamente escondidos. E há outros ainda que são criados artificialmente para moldar a nossa perceção do mundo- e as nossas ações. Este blogue pretende dar a ver o que poucos vêm, para que se faça o que precisa de ser feito.

Lajes do Pico, 29 agosto 2015

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