sexta-feira, 21 de agosto de 2015

Competir ou cooperar?



Por cima da cabeça de coral, pequenos bodiões afadigam-se a limpar de parasitas peixes muito maiores do que eles, enquanto outros clientes aguardam pacientemente a sua vez. De quando em vez, um dos limpadores sucumbe à tentação de dar uma dentada no próprio cliente, muito mais nutritivo, e este afasta-se bruscamente. Trata-se de uma prestação de serviços, com claras analogias a atividades económicas humanas.
O modelo económico atual é baseado na competição: uma pessoa tem uma ideia, protege-a para que outros não a copiem, e funda uma empresa para a desenvolver. Nesse processo tem que competir com outras empresas com produtos ou serviços similares- vence o que tiver o melhor produto, a melhor estratégia de marketing, o preço mais baixo ou uma combinação das anteriores. Presumivelmente, os pequenos bodiões devem o seu sucesso a uma estratégia competitiva que desalojou outras espécies do “negócio”.
A necessidade de aumentar a competitividade é hoje um lugar comum no discurso político e mediático. Em paralelo, o espírito competitivo estende-se a muitas outras áreas. Na educação, por exemplo, há quem defenda que as escolas possam competir pelo melhores alunos, assim como as universidades já o fazem. Por seu lado, os estudantes competem uns com os outros para obterem as melhores notas e assim assegurarem o ingresso no curso que pretendem. No mundo dos bodiões limpadores, talvez os que fazem batota mordendo nos clientes sejam os mais empreendedores e estejam destinados a suplantar os restantes, monótonos seguidores de regras invisíveis.
A mensagem com que somos bombardeados diariamente é simples: o sucesso (pessoal, das empresas, dos países) advém da competição e de restringir o fluxo de informação. Quem não tem sucesso é porque não foi suficiente forte para ultrapassar os competidores, ou partilhou informação que outros usaram para o prejudicar. Esta mensagem é muitas vezes associada também à natureza- “a lei do mais forte”, a lei da selva, seria a base da evolução das espécies, seleccionando os indivíduos que conseguem chegar mais alto, correr mais depressa ou atacar com mais ferocidade. O espírito empresarial é visto como uma aplicação da seleção natural à economia.
E no entanto a maioria dos bodiões limpadores priva-se por escolha própria de morder nos seus clientes, embora isso fosse mais vantajoso no imediato. É que os clientes são capazes de reconhecer os limpadores que não fazem batota, e preferem ser atendidos por eles. O comportamento altruísta é assim recompensado. É verdade que a competição entre espécies e entre indivíduos da mesma espécie é um mecanismo básico da evolução por seleção natural. Mas, como demonstrado por Martin Nowak, apenas a cooperação permite atingir novos níveis de organização. Foi a cooperação que permitiu criar células, seres pluricelulares, e sociedades. A espécie humana levou a cooperação a níveis nunca vistos no planeta, criando múltiplos níveis de organização desde a família, a aldeia, o país, até instituições de âmbito inter-continental e planetário. Entristece ver como o ênfase atual na competição está a corroer as bases do que de melhor os humanos construíram.

Lajes do Pico, 21 agosto 2015

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