sábado, 5 de setembro de 2015

Pesca, mergulho e reservas marinhas- o caso dos Açores


O problema
Os Açores têm dado ao país e à Europa bons exemplos de gestão das pescas, aos quais não é alheia a estreita cooperação entre o Governo Regional e a Universidade. Entre os bons exemplos pode citar-se a proibição do uso de arrasto e de redes de emalhar de fundo (muito destrutivas para os delicados ecossistemas de profundidade), ou a manutenção de uma pesca do atum com arte de salto e vara (manual, muito seletiva e certificada como “dolphin safe”).

Apesar disso, o esforço de pesca nos Açores tem crescido continuamente nas ultimas décadas, e os indicadores disponíveis apontam para situações de sobreexploração em todas as pescarias. Para avaliar até que ponto os recursos pesqueiros estão sobre-explorados basta saber que a quantidade de peixe desembarcado em lota tem vindo a diminuir constantemente nos últimos 20 anos, apesar do grande aumento da capacidade de pesca (mais barcos, mais anzóis) no mesmo período.

Esta situação tem sido documentada repetidamente em artigos científicos e é reconhecida num recente relatório governamental requerido pela Diretiva Quadro da Estratégia Marinha.

Das situações mais graves destacamos a dos peixes demersais costeiros e dos grandes pelágicos, por serem aquelas em que se registam conflitos com atividades não extrativas e em crescimento na Região.

Os peixes costeiros sustentam a maioria dos pescadores açorianos: a frota de pesca dos Açores é constituída maioritariamente (80%) pelo segmento artesanal. Este segmento é uma fonte importante de sustento para muitas comunidades, particularmente nos últimos anos com o aumento do desemprego. A sobreexploração dos recursos pesqueiros costeiros coloca em risco a subsistência destas comunidades, mas também afeta negativamente a crescente atividade turística relacionada com o mergulho. De facto, as empresas desta área têm sido muito claras em apontar a rarefação dos peixes costeiros como um fator muito negativo para a experiência de mergulho dos seus clientes e, portanto, como uma limitação grave para a subsistência da sua atividade.

Mas é no setor dos grandes pelágicos que a sobrepesca é particularmente negativa, afetando um setor turístico emergente que procura projetar internacionalmente os Açores como locais privilegiados para a observação de grandes peixes oceânicos, como tubarões e jamantas. Desde a abertura da ZEE dos Açores, em 2003, que ao largo de todas as ilhas 70 barcos provenientes de Portugal continental e de Espanha se juntam aos quase 50 da Região na utilização de palangres de superfície. Um palangre de superfície é uma linha derivante carregada com dezenas de milhar de anzóis e que se estende por distâncias que chegam a atingir os 90 km! Calcula-see que as capturas ultrapassem o milhar de toneladas anual, mas ninguém sabe ao certo. Os seus efeitos, esses, são bem patentes para os operadores turísticos que, de ano para ano, registam uma diminuição do número de tubarões que os seus clientes conseguem ver.

A solução
O Livre/Tempo de Avançar recusa colocar em confronto a pesca e o mergulho, mas reconhece a insustentabilidade dos atuais padrões de exploração dos recursos pesqueiros. É necessário reduzir significativamente as capturas, aumentando ao mesmo tempo o rendimento dos pescadores. Para isso é necessário aumentar o valor do pescado mas também reter uma maior percentagem desse valor nas mãos de quem de facto o cria: os homens e as mulheres que fazem do mar o seu local de trabalho.

As reservas marinhas integrais (áreas nas quais são proibidas todas as atividades extrativas) são um instrumento simples e eficaz de garantir a estabilidade dos recursos pesqueiros e dos ecossistemas de que eles dependem. Em Portugal (e nos Açores) a percentagem do espaço marinho vedado à pesca é insignificante. No entanto, ao assinar a Convenção sobre a Biodiversidade Biológica, Portugal comprometeu-se no esforço de proteger até 10% dos oceanos mundiais até 2020. Callum Roberts, um dos maiores especialistas mundiais na matéria, considera este número demasiado baixo e defende que 30% de cada habitat marinho deveria ser integralmente protegido. O L/TdA defende que Portugal deve superar os seus compromissos internacionais e, no âmbito da revisão da Estratégia Nacional para a Conservação da Natureza e da Biodiversidade, criar no território nacional uma rede de reservas marinhas integrais cobrindo 30% dos diferentes habitats e adaptada às realidades regionais.

Reservar áreas nas quais não se pode pescar não necessita de afetar o rendimento dos pescadores. Pelo contrário: devidamente desenhadas, estas áreas aumentam significativamente a produtividade do mar que as rodeia. O problema é que os pescadores recebem apenas uma pequena fração do preço pago pelo consumidor. O L/TdA defende que deve ser facilitado o acesso de associações de pescadores, de diferentes tipologias, aos escalões superiores da cadeia de valor, nomeadamente fomentando as redes de produção e consumo local. Propõe ainda a adoção de medidas que visem atribuir a formação necessária e que incluam estímulos à formação de organizações de pescadores com capacidade de intervenção ao nível da gestão da pesca e da comercialização do pescado.

Portugal precisa de um setor pesqueiro vibrante e dinâmico que assegure um rendimento digno a todos os elementos da fileira e contribua positivamente para os setores circundantes. Mas precisa também de ecossistemas marinhos saudáveis e produtivos. Num quadro político e económico adequado, as duas situações podem complementar-se. É para esse quadro que temos que avançar!


Lajes do Pico, 3 setembro 2015

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