sábado, 6 de fevereiro de 2021

Pleno emprego- uma proposta

 Uma revisão de 

The case for a job guarantee
Pavlina R. Tcherneva

Antes de começar: este livro foi escrito para os EUA, mas pode aplicar-se a todos os países com emissão de moeda própria. Poderia portanto aplicar-se à zona euro no seu conjunto. Penso que se poderia aplicar a Portugal numa situação em que se decidisse ignorar as regras do défice, ou se decidisse usar uma moeda complementar. Por esta última via, poderia até aplicar-se a uma região, ou até a uma autarquia.

O desemprego é estrutural ao capitalismo, por duas razões. A primeira é que o capitalismo mercantiliza os comuns, os bens públicos (incluindo o poder interventivo do Estado), minando a capacidade das pessoas de organizarem a sua vida à margem desse sistema económico. Por falta de alternativa, as pessoas são obrigadas a procurar “trabalho”. A segunda razão é que interessa ao capitalismo ter uma massa de pessoas desempregadas, competindo umas com as outras por um lugar no sistema. Esta situação é reconhecida no discurso oficial, que aceita uma taxa “natural” de desemprego. Não se discute o facto de que, seguindo a sua lógica de maximização do lucro, o capitalismo procurará sempre baixar os custos com os trabalhadores, seja reduzindo os salários seja reduzindo o número de empregos criados. Quanto mais pessoas estiverem desempregadas, menores serão os salários e mais precárias as condições de trabalho.

Ora o desemprego não é uma estatística. No mínimo cria uma situação de stress para as pessoas que ficam desempregadas, mas em muitos casos é dilacerante, privando as pessoas do essencial para uma vida digna para si e para as suas famílias, com fome e muitas vezes sem um teto. Uma garantia de emprego digno devia ser um papel fundamental do Estado, e assim o estabelece de facto a Constituição da República Portuguesa, no artigo 58ª:
1. Todos têm direito ao trabalho.
2. Para assegurar o direito ao trabalho, incumbe ao Estado promover:
a) A execução de políticas de pleno emprego;


É interessante que o programa do atual governo não faz uma única referência a “pleno emprego”, embora apresente 31 referências ao “mercado de trabalho”, a competição entre trabalhadores pelos empregos disponíveis que descrevi acima. Mais grave ainda, o site da Presidência da República Portuguesa (onde estão registadas todas as intervenções do Presidente) não tem uma única referência a “pleno emprego”, embora tenha 4 referências ao dito “mercado de trabalho”. A narrativa oficial é portanto a de que o emprego emerge de alguma forma do sistema económico, e que o papel do Estado é o de manipular o sistema para que o “mercado de trabalho” funcione “da melhor forma possível” (1). O que não for possível, paciência...

A proposta de Pavlina Tcherneva é muito simples:

  1. O Estado assegura um emprego a todos os cidadãos que precisem de um, e enquanto e sempre que precisem dele. O cidadão dirige-se ao Centro de Emprego mais próximo e sai de lá com um contrato de trabalho, começando a trabalhar no dia seguinte.
  2. Esse emprego tem um salário digno, um horário justo e todos os benefícios (segurança social, férias, subsídio de férias e de Natal). É, de facto, desenhado para constituir o padrão mínimo para todos os empregos na economia.

A organização do sistema é a seguinte:

  1. O Governo solicita ofertas de emprego de autarquias, cooperativas e outras entidades sem fins lucrativos
    1. Os empregos estão dirigidos para a transição ecológica ou os cuidados sociais e comunitários. Não se trata de cavar buracos para os tapar a seguir- o programa de pleno emprego dirige-se a tarefas essenciais para a sociedade mas a que o sistema capitalista não dá resposta.
  2. O dinheiro para o programa é inscrito no Orçamento do Estado- as pessoas não são empregadas do Estado mas são pagas por ele. À pergunta “de onde vem o dinheiro?” responde-se da seguinte maneira:
    1. O dinheiro é um bem público (parte dos comuns) e uma prerrogativa do Estado. A Teoria Monetária Moderna (2) deixa claro que a um Estado soberano (ver ressalva no início deste texto) nunca pode faltar dinheiro. O cidadão vulgar tem a perceção de que isto é assim, mas apenas quando se trata de salvar bancos insolventes ou pagar mais-valias de parcerias público-privadas.
    2. Este programa substituiria o que o Estado já gasta com os apoios às empresas e aos desempregados, assim como em assistência social. O programa atuaria ainda como estabilizador dos ciclos económicos, beneficiando toda a sociedade.
  3. Os empregos são disponibilizados através dos Centros de Emprego já existentes, que assim passam a fazer jus ao seu nome.


(1) Ver o enquadramento da política de emprego no site da DGERT, e notar como o pleno emprego estar no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 13/2015 mas não nos seus objectivos.

(2) Ver, por exemplo, https://outraspalavras.net/pos-capitalismo/a-teoria-monetaria-moderna-contra-a-ditadura-financeira/  

 

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