quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

Rutura ou transformação

 



O capitalismo está a destruir o nosso suporte de vida planetário, derretendo o gelo das calotas polares, aniquilando os grandes ecossistemas ainda existentes no planeta (Amazónia?), apodrecendo os oceanos (sim, temos eutrofização à escala oceânica!). O capitalismo está a causar um sofrimento indizível a milhares de milhões de seres humanos, mortos em guerras ou a fugir delas ou das carências alimentares e sanitárias que elas provocam, privados dos meios mais básicos de subsistência (dos sem abrigo no coração da abastada Europa às centenas de milhar de agricultores em protesto na Índia). E no entanto os capitalistas controlam completamente as esferas do poder, mantendo a populaça sob controle através da violência direta, policial ou militar, ou da violência indirecta, usando uma arquitetura legal que assegura que nada pode mudar e um controle da informação que amputa de alternativas a imaginação.

O que resta a quem consegue escapar da Matrix (ou sair da caverna)? Se quiser retirar o poder das garras das elites, onde deve aplicar os seus esforços?

Dando de barato que quem tomou o comprimido vermelho já sabe que o sistema não pode ser reformado, parece apenas restar a opção da revolta, da revolução. Mas essa opção não tem um registo histórico muito apelativo: se a Revolução Francesa ou o 25 de Abril ensinaram alguma coisa foi que é mais fácil começar uma revolução do que assegurar que ela cumpre o seu objetivo. E a razão é simples: as revoluções fazem-se a olhar para trás, para o que não se quer, e aí é fácil ter consensos. Mas no dia seguinte é preciso concordar para onde se quer ir, e a divisão sobre os futuros possíveis abre o flanco aos contra-revolucionários, que sabem muito bem o que querem.

Mas existe outro caminho para a transformação da sociedade: trabalhar com os setores que, em qualquer sociedade, estão já à margem do capitalismo ou mesmo em oposição a ele. Das cooperativas de produção às comunidades indígenas ou de novos rurais, em todos os contextos em que a cooperação e a solidariedade se sobreponham à competição e ao individualismo está o embrião da sociedade do futuro. Tudo o que Neo tem a fazer é trabalhar num desses contextos, reforçando-o, ou dedicar-se a ligar pessoas e entidades de áreas diferentes, criando sinergias, ou ainda abrir espaço no capitalismo para que estas bolsas de humanidade se possam expandir. Este é um caminho lento e sem sucesso garantido mas que pelo menos permite a construção gradual de uma visão partilhada do futuro, ao mesmo tempo que se constroem as estruturas de poder em que ele se apoiará. Em “Envisioning Real Utopias” Erik Olin Wright elabora uma Teoria da Transformação, concluindo que esta “Transformação Intersticial” é uma parte do processo de aprendizagem coletiva que tem que acontecer no caminho para um socialismo entendido como o poder democrático sobre a distribuição e o uso dos recursos produtivos.

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